segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Perguntem o nome deles

Esse texto foi escrito em 28/06/2007


Muitos tiros das 10h às 16h30, horário em que estive no trabalho. Eram 1350 policiais, quilos de munição disparadas sem rumo que acharam 27 pessoas, entre 9 feridos e 19 mortos. Ouvindo pela janela e acompanhando pela internet, chegaram as primeiras fotos do confronto. Em uma delas uma criança de não mais quatro anos de idade, no colo de sua mãe, observava o fuzil apontado para dentro da favela por um policial. E uma colega de trabalho comentou: “e essa criança? Quando crescer vai ser um empresário?” .


Me lembrei então de uma vez que estive na comunidade incursionada nesta quarta-feira (27) e vi um outro menino da mesma idade brincando com um tipo de arma de madeira que alguém havia construído para ele. Realmente são grandes as chances de um futuro empresarial não os esperar. Mas também é perfeitamente possível que de uma família de trabalhadores nasçam filhos trabalhadores. Mas esse é outro assunto.


Já perto de casa e bem longe do confronto passei por um local, na zona sul da cidade, onde um garoto de 13 anos tinha sido vítima de bala perdida em frente à comunidade em que morava. Depois descobriu-se que ele, apesar da pouca idade, já era traficante. Pensei naquele momento o quanto eu era feliz por, mesmo tendo escutado a guerra durante o expediente, poder voltar para casa e me sentir a salvo.


No jornal da noite vi o balanço do confronto, com um número de bandidos mortos que, mesmo ao lado, não imaginava. Ao amanhecer saí bem cedinho de casa e encontrei na rua dois meninos, que aparentavam seus13 anos, pedindo um café. Já os conhecia de outras manhãs e sempre me prometia comigo mesma que no dia seguinte daria o tal café a eles, mas nunca parava ora por falta de tempo, ora por falta de dinheiro.


Mas hoje pensei: não posso reclamar de dinheiro e se eu chegar alguns minutos atrasada não fará diferença para mim, mas será um café para ele. Quando passei um deles me disse: “Moça, me dá um café”, e eu fiz que não com a cabeça. Em seguida ele continuou: “Ou então paga o café para mim”. Aquilo soou para mim como quem diz “realmente estou com fome”.


Voltei dois passos e chamei-o dizendo que pagaria o café e ele agradeceu. Olhei mais adiante e outro também me olhava. Fiz um sinal com a mão dizendo para ele vir também. Entrei com os dois na padaria e todos nos olhavam, já sabendo que eu pagaria para eles. Pedi dois cafés-com-leite e dois pães, um para cada um. Devia ser pouco, mas era o que eu também podia dar naquele momento.


Enquanto eu pagava o segundo menino me olhou bem nos olhos e disse “obrigado, moça”. Confesso que me senti um pouco intimidada com aquele olhar. Talvez por nunca ter estado tão perto fisicamente de uma criança de rua. Talvez por nunca ter olhado uma nos olhos. E talvez ainda por alimentar o medo desses jovens. E percebi que ao me olhar nos olhos ele esperava o mesmo de mim, mas acho que não correspondi.


Paguei a conta enquanto o pedido era preparado. Quando os pães com manteiga chegaram, eu me despedi dos meninos e eles agradeceram mais uma vez. Deixei-os comendo e segui para o ponto de ônibus. Fui pensando: “acho que os ajudei de alguma forma”. Me senti bem por isso, mas logo percebi que o que eu tinha feito era muito pouco para mim, para eles e para mudar qualquer situação.


E não parei de pensar nisso durante todo o caminho para o trabalho, como se tivesse faltado algo naquele encontro. Percebi que eu não me dei o trabalho de perguntar o nome deles. Quase chegando ao trabalho vi que a polícia ainda estava nas proximidades e não demorou muito para que um novo tiroteio começasse.


E mais um dia começava para todos. Os meninos pedindo o café, os moradores da comunidade no meio do fogo cruzado e eu de um lado para o outro do Rio alternando de realidade. A criança da foto era sem nome, a da arma de madeira também. Os bandidos mortos também ainda não tinham sido identificados. E mais os dois meninos do café que tinham nome, mas eu não tive a sensibilidade de perguntar.


Espero encontrá-los novamente, mirá-los nos olhos, saber de onde são e qual é nome deles. Sabe-se lá que diferença pode fazer esse tipo de atenção. Por tudo isso que contei e muito mais, é que sugiro: antes de ajudar alguém, pergunte o nome deles.

2 comentários:

  1. EU me lembro deste texto. E me lembro muito desta episódio do café pro manino, até porque passei por algo parecido NESTE ANO. Mas era de noite e ao estacionar o carro em Copacabana, um menino pediu pra pagar um lanche ao invés de pedir dinheiro simplesmente. Aceitei, entrei cim ele numa lanchonete, pedi um suco pra mim e outro pra elel cujo sabor ele escolheu e ficamos ali até terminarmos.

    Terminei antes, mas só saí quando ele acabou e saiu também. Era véspera de ano novo e ele, já na rua, me desejou um feliz 2009.

    Eu fiquei feliz por ter contribuido um POUCO. E o tempo todo me lembrei desse seu texto, dessa sua experiência.

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  2. Belo texto, ótima reflexão...
    Obs curiosa: Eu sempre pergunto os nomes!

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