sexta-feira, 26 de novembro de 2010

E a população pede sangue...



A mídia aplaude, o povo comemora, o jornal vende horrores (vende muito e vende mau, com U mesmo). Sobre os moradores... Concordo que eles estão cansados de guerra. A cena das 'bandeiras brancas' é comovente. Eles pedem paz à sociedade. Polícia e bandido.

No Santa Marta, onde eu vi, não tem escola e nem posto de saúde. A pintura está ótima para quem passa na São Clemente. Mas atrás do colorido tem casa de madeira com chão de terra batida. O bondinho não funciona com plenitude, o esgoto corre pelas vielas pra quem quiser ver.

A mídia está aplaudindo e não vejo motivo pra isso. Você se lembra de quando o helicóptero da polícia civil 'caçando' traficantes na Favela da Coréia, tem uns dois anos. E eles, mortos, rolavam morro abaixo. Talvez se lembre também de quando entraram - numa das milhares vezes - no Alemão e mataram 19 pessoas. Todos bandidos? E o famoso 174. A Globo transmitiu tudo ao vivo. O que saiu do controle para o Estado entrar no Alemão agora? 2014 (ano da Copa) era o ano previsto por Beltrame. O que deu errado?

Se ontem a polícia dizimasse aqueles bandidos em fuga, a mídia gritaria por direitos humanos. A polícia não fez por causa da mídia. Mas a população está pedindo sangue. E os jornais insistem na luta do bem contra o mal.

FOTO de Nancy Pavão: Polícia na Estrada Velha da Pavuna, Inhaúma.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

As UPPs segundo Rodrigo Pimentel


Como muitos sabem, conversei com o ex-policial militar Rodrigo Pimentel (12 anos de PM e 7 de Batalhão de Operações Especiais) sobre a implantação das UPPs e seus rumos para minha pesquisa de Sociologia Urbana. Aqui está o resultado. Pimentel defende a ocupação como única medida capaz de coibir a disputa armada por territórios na cidade e aponta o risco de miliciarização das UPPs caso a não haja investimento na polícia militar do Estado do Rio de Janeiro.


A origem


“Com o fim da guerra ideológica pós-queda do Muro de Berlim e antes do terrorismo, os EUA traçaram como inimigo a cocaína e houve um processo de satanização da droga no mundo. No Rio, governos entendem as drogas como pior mal para a sociedade. Logo, vamos invadir esses guetos e matar os vendedores. Isso é absurdo, porque o que mata é a arma. Eu acreditei nisso: que estava promovendo segurança público quando entrava na favela e fazia apreensões de drogas.Entendi depois que a violência vinha da disputa de território para a venda drogas. Os traficantes dizem: 'as armas não são para atirar em policial, mas para garantir o meu ponto de venda'.”


A violência


“Entendendo a violência do Rio de Janeiro como uma disputa armada de território (para vender cocaína, botijão de gás superfaturado, maconha). Sendo assim, ela só poderia ser resolvida com a ocupação – num primeiro momento – militar do terreno. Acho que consumismo desenfreado gera um jovem que quer sair da invisibilidade através de marcas, roupas, mulheres, ouro. Pode ser essa a explicação para a participação de um jovem no grupo armado. Esa cultura de consumo é específica da cidade do Rio de Janeiro.”


A política de segurança no Rio de Janeiro


“Nos últimos 25 anos a estratégia de combate ao tráfico de drogas foi sempre a mesma: ações pontuais. Batalhões de polícia militar e delegacias de polícia civil (que atuaram ostensivamente) realizavam invasões para apreender armas e drogas. Essa foi a postura de todos os governos, independente da ideologia. Em cada alternância de governo, o processo era radicalizado. Houve uma escalada de operações que culminou com a 'gratificação faroeste' no governo Marcelo Alencar. Com o Garotinho, isso foi implementado com mais força. Com a Benedita da Silva, de orientação de esquerda, o governo teve a polícia que mais matou em sete meses.”


Retomada de território


“Cerca de 70% dos homicídios e dos roubos de carro na cidade se deram por causa dessa disputa. Assim, a melhor solução para acabar com essa violência é a ocupação, que foi tímida no governo Brizola, no morro da Providência. Era política de governo – não de estado – sem apoio. No governo Garotinho, uma nova tentativa foi feita com o Luiz Eduardo Soares, no Cantagalo e Pavão- Pavãozinho com o GPAE (Grupamento de Policiamento em Áreas Específicas): ocupação territorial para zerar homicídios. O projeto recebeu muitas críticas. Disseram que polícia estava ali para proteger traficantes.


A ocupação não acaba com o tráfico porque a demanda não cessa. Acho que a ocupação é eficiente, mesmo que desacompanhada de ações sociais contundentes, porque reduziu homicídios. Ela é suficiente porque preservou vidas humanas, mas para torná-la efetiva e poder desmobilizá-la daqui a um tempo, a ação social precisa existir.


A indicação é de um policial para 220 habitantes. Na UPP do Santa Marta, por exemplo, temos um policial para cada 35 habitantes. É uma necessidade emergencial para sufocar tráfico e retirar fuzis, mas precisamos criar condições para que essa juventude não crie gosto pelo consumo ou que tenha acesso a ele.”


O futuro das UPPs


“O ponto negativo desse processo é que a UPP é executada pela mesmo polícia de 30 anos. O risco disso é miliciarização num prazo de 5 ou 6 anos. Esse prognóstico pode ser evitado com implemento salarial para policial de UPP, com condição adequada de trabalho, com corregedoria e ouvidoria eficientes. Lamento dizer que a maioria dos policiais de UPP com os quais eu converso não estão satisfeitos e preferiam estar no BOPE combatendo bandido trocando tiro com traficante porque é mais viril, mais prestigiado, mais endeusado e mais glamurizado. Ser rambo é bonito, prevenir o crime é feio. Tudo isso é uma mentira. Eu queria sair da rotina do BOPE e ir para a rotina da ocupação porque já tinha certeza de que operação policial em favela não funcionava.


A UPP expulsou os traficantes e sinalizou o cumprimento da lei (de não permitir drogas). A pacificação vai alcançar os grandes complexos da cidade, independente de o governador querer ou não. A UPP saiu do controle do governo do Estado e agora é da sociedade, como acontece com as políticas com mais de 90% de aprovação.


Sou solidário em deixar o Complexo do Alemão por último. Não há como se ter ocupação simultânea e, se o Alemão fosse o primeiro, os traficantes de espalhariam por toda a cidade. Quando a UPP chegar até lá, eles não terão para onde ir. O traficante pode perceber que não tem mais espaço para realizar o business dele e deixar a atividade. É possível.


Acredito na polícia da pacificação. Sou entusiasta do processo. Defendo que o projeto vire lei e não possa ser desmontado em cinco ou seis anos. As unidades precisam permanecer no Rio até se apagar a cultura do narcotráfico, como aconteceu na Tavares Bastos [comunidade de Laranjeiras que é sede do BOPE]. E isso pode levar uma geração.”


E por falar em quem puxa o gatilho...

A pergunta continua: Quem puxa o gatilho?