domingo, 10 de outubro de 2010

Você ajuda a puxar esse gatilho?


No embalo dos meus ajustes na monografia, do resultado das eleições, de algumas críticas que li no jornal e das quais discordo sem surpresa e, claro, da estreia, fui ver Tropa de Elite 2 ontem. Adorei o filme. Nenhuma surpresa também, já que li o livro com certa paixão e vi o Tropa 1 tomada de alguma emoção.

O roteiro é impecável, as cenas de ação são muito bem dirigidas, a mistura de histórias que montou novos personagens foi muito bem alinhada e o 'Beto' grisalho é ainda melhor. Não pude não reproduzir esse comentário gracioso que ouvi da poltrona ao lado e do qual não discordo. Me permito o riso porque ele também esteve presente em muitos momentos do longa. Não direi aqui nada que prejudique quem não viu o filme ainda. Fiquem tranquilos. Só comentarei sobre o que todos já sabem.

O deputado defensor dos direitos humanos me lembrou uma colega do curso de Sociologia Urbana com a qual tive um debate caloroso - mesmo que por e-mail - sobre o assunto quando um PM atirou na cabeça de um assaltante que ameaçava uma refém com uma granada numa farmácia de Vila Isabel, Zona Norte do Rio. Não sou de ciências sociais, todos sabem. Como ela mesma disse: "não acredito que você defende essa ação da polícia depois de ler e discutir tudo o que foi lido e discutido no curso sobre as razões que levaram aquele homem a estar naquela situação".

É, eu ajudei aquele PM a puxar aquele gatilho. Acho que meu pensamento está mais para Capitão Nascimento que para direitos humanos. Mesmo sendo capaz de entender o que deixou a cidade
assim, penso com dificuldade na possibilidade de a violência chegar perto de mim e eu pensar em direitos humanos. Acho que as reivindicações de diretos humanos deveriam vir antes da
violência com os tais direitos de cidadania dos quais os pobres são privados. Educação, saúde, emprego, urbanização e urbanidade.

Não, eu não defendo chacina. Minha dificuldade está em imaginar que, se num assalto a minha mãe estiver com a arma na cabeça dela - como já esteve há 30 anos num banco - e um policial puder encerrar aquele terror, eu ainda não pensaria nesses direitos humanos que vemos por aí. Falha minha. Mas não sei se quero pensar diferente, mesmo achando que deveria. A questão é que eu acho que os defensores desses direitos humanos também ajudam a puxar o gatilho. E viciado também ajuda. Mas quem lucra com isso não só puxa, como pensa no gatilho. E isso é grave. E essas pessoas só são combatidas com voto. E como pensar no voto quem não tem bens de cidadania? A escolha é plena ou viciada?

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Marina... você se pintou?


Marina... você se pintou?

Maurício Abdalla [1][1]

“Marina, morena Marina, você se pintou” – diz a canção de Caymmi. Mas é provável, Marina, que pintaram você. Era a candidata ideal: mulher, militante, ecológica e socialmente comprometida com o “grito da Terra e o grito dos pobres”, como diz Leonardo Boff.

Dizem que escolheu o partido errado. Pode ser. Mas, por outro lado, o que é certo neste confuso tempo de partidos gelatinosos, de alianças surreais e de pragmatismo hiperbólico? Quem pode atirar a primeira pedra no que diz respeito a escolhas partidárias?

Mas ainda assim, Marina, sua candidatura estava fadada a não decolar. Não pela causa que defende, não pela grandeza de sua figura. Mas pelo fato de que as verdadeiras causas que afetam a população do Brasil não interessam aos financiadores de campanha, às elites e aos seus meios de comunicação. A batalha não era para ser sua. Era de Dilma contra Serra. Do governo Lula contra o governo do PSDB/DEM. Assim decidiram as “famiglias” que controlam a informação no país. E elas não só decidiram quem iria duelar, mas também quiseram definir o vencedor. O Estadão dixit: Serra deve ser eleito.

Mas a estratégia de reconduzir ao poder a velha aliança PSDB/DEM estava fazendo água. O povo insistia em confirmar não a sua preferência por Dilma, mas seu apreço pelo Lula. O que, é claro, se revertia em intenção de voto em sua candidata. Mas “os filhos das trevas são mais espertos do que os filhos da luz”. Sacaram da manga um ás escondido. Usar a Marina como trampolim para levar o tucano para o segundo turno e ganhar tempo para a guerra suja.

Marina, você, cujo coração é vermelho e verde, foi pintada de azul. “Azul tucano”. Deram-lhe o espaço que sua causa nunca teve, que sua luta junto aos seringueiros e contra as elites rurais jamais alcançaria nos grandes meios de comunicação. A Globo nunca esteve ao seu lado. A Veja, a FSP, o Estadão jamais se preocuparam com a ecologia profunda. Eles sempre foram, e ainda são, seus e nossos inimigos viscerais.

Mas a estratégia deu certo. Serra foi para o segundo turno, e a mídia não cansa de propagar a “vitória da Marina”. Não aceite esse presente de grego. Hão de descartá-la assim que você falar qual é exatamente a sua luta e contra quem ela se dirige.

“Marina, você faça tudo, mas faça o favor”: não deixe que a pintem de azul tucano. Sua história não permite isso. E não deixe que seus eleitores se iludam acreditando que você está mais perto de Serra do que de Dilma. Que não pensem que sua luta pode torná-la neutra ou que pensem que para você “tanto faz”. Que os percalços e dificuldades que você teve no Governo Lula não a façam esquecer os 8 anos de FHC e os 500 anos de domínio absoluto da Casagrande no país cuja maioria vive na senzala. Não deixe que pintem “esse rosto que o povo gosta, que gosta e é só dele”.

Dilma, admitamos, não é a candidata de nossos sonhos. Mas Serra o é de nossos mais terríveis pesadelos. Ajude-nos a enfrentá-lo. Você não precisa dos paparicos da elite brasileira e de seus meios de comunicação. “Marina, você já é bonita com o que Deus lhe deu”.



[1][1] Professor de filosofia da UFES, autor de Iara e a Arca da Filosofia (Mercuryo Jovem), dentre outros.

Seria trágico se não fosse cômico